O economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria, empresa responsável pelo Índice ABCR de Atividade Econômica desde dezembro de 2002, faz, em entrevista a Agência ABCR, uma análise do momento atual da economia brasileira, fala das perspectivas para 2011 e da atuação do Governo Dilma Rousseff em áreas como agências reguladoras e concessões de serviços públicos à iniciativa privada.
Agência ABCR – Quais as perspectivas da Tendências para a economia em 2011, levando em consideração os temas que têm aparecido com mais frequência na mídia, como corte do orçamento e retomada do processo inflacionário?
Juan Jensen - De uma forma geral, 2011 será um bom ano; mas com menos crescimento e uma inflação bastante pressionada, em linha com o que aconteceu em 2010. No ano passado tivemos um grande crescimento, mas a inflação também ficou acima do desejável. A questão é que o governo tem tomado algumas medidas para trazer a inflação para baixo, entretanto essas medidas não serão suficientes para que a inflação convirja já para patamares em torno da meta de 4,5% ao ano em 2011. O ano começou com uma inflação muito forte, conseqüência de aumento dos preços dos alimentos e das commodities, que subiram no mundo. Na verdade, porém, a inflação brasileira não é só isso. Ela reflete também um aumento da demanda doméstica muito forte e que tem pressionado o preço dos serviços.
Agência ABCR – Num prazo um pouco mais longo, podemos falar algo sobre 2012 e 2013?
JJ - Para 2012, teremos uma maior convergência da inflação e crescimento ainda sofrendo por conta das medidas de contenção do consumo. Quanto ao crescimento, deve ganhar fôlego entre 2013 e 2014. A perspectiva de crescimento para 2012 é um pouco mais baixa: estamos projetando, hoje, 3,9% para 2011 e 3,7% para 2012.
Agência ABCR – Em 2013 podemos ter uma retomada mais robusta?
JJ - Isso. Em 2013, entramos num ciclo mais positivo, com quedas nas taxas de juros e inflação dentro das metas; e teremos uma expansão fiscal um pouco maior, com a proximidade da Copa do Mundo e das eleições presidenciais. Então 2013 e 2014 tendem a ser bons anos de crescimento econômico; no fundo, estamos assistindo a arrumação dos exageros que ocorreram principalmente em 2010. Estão arrumando a casa, e isso tem o custo de menor crescimento no curto prazo.
Agência ABCR - Mas essas medidas, que não teriam a força de trazer a inflação para o centro da meta, não assustam o mercado?
JJ - Assusta. O Brasil tem um Banco Central que está operando de forma diferente do Banco Central do segundo governo Lula. Quando a presidente Dilma assume o Governo, ela salienta e reafirma o chamado tripé da política econômica, baseado em cambio flutuante, em política monetária voltada a um sistema de metas de inflação do Banco Central com autonomia operacional e geração de superávit primário para fazer com que a divida recue ao longo do tempo. Ela reafirma esses três pontos, mas, na pratica, o que observamos é uma certa deterioração desse tripé.
Agência ABCR – Você pode explicar melhor esse processo?
JJ - No campo da Política Monetária, especificamente, o Banco Central operava com bastante autonomia, já que o presidente Lula delegou isso ao Henrique Meireles (ex-presidente do Banco Central). É verdade que, em alguns momentos, o Banco Central pecou, como no ano passado, quando já se vislumbrava esse cenário inflacionário por conta dos excessos. Começou a subir os juros, mas parou antes da hora. Os reflexos são esses apertos na inflação, do final do ano passado ao começo desse ano. O resultado é que o Banco Central está tendo que apertar de novo a Política Monetária. Agora, os primeiros indícios apontam para um aperto aquém do necessário, seja porque está tomando outras medidas, como as chamadas medidas macroprudenciais, que têm efeito duvidosos sobre o mercado.
Agência ABCR – As medidas macroprudenciais são a redução de crédito...
JJ - Isso. Seria o aperto de crédito, mas com medidas regulatórias. Então, o Banco Central regulou a concessão de financiamentos para automóveis, pediu mais compulsório para algumas linhas de bancos, aumentou o IOF, enfim, está encarecendo o crédito, mas não porque os juros estão subindo, mas simplesmente porque está mudando as regras.
Agência ABCR – E quanto às metas de inflação?
JJ - O segundo ponto com relação à inflação é que o Banco Central está explicitando a aceitação de uma convergência da inflação de forma mais lenta. Isso não é bom, na medida em que os agentes de mercado passem a não acreditar que o BC vai perseguir o centro da meta ao longo do tempo, ou seja, a gente pode ter um processo de piora das expectativas de inflação para o ano que vem e ter uma autoridade monetária que não reaja a isso. Ou seja, no final das contas podemos ter um custo muito maior para trazer essa inflação para baixo, e por isso pode demorar a convergir, não ocorrendo em 2012 e só mais à frente.
Agência ABCR – E a deterioração no Campo Cambial e Fiscal?
JJ - No campo Fiscal, existe uma deterioração iniciada, muito forte, em 2009 e continuada em 2010, por conta da política expansionista contracíclica por conta da crise financeira internacional. Seria revertida em 2010, mas não foi por conta da necessidade de o Governo efetuar gastos no ano eleitoral. A reversão o governo anuncia agora, com o corte no orçamento. Mas, de fato, esse corte não existe porque não há redução de gasto em relação ao ano passado. Além disso, o Governo anuncia corte no orçamento, mas injeta dinheiro no BNDES. Quando ele coloca dinheiro num banco público, gera demanda. As empresas vão pegar esse dinheiro, consumir, investir. Isso num ambiente de pressões inflacionárias termina por impactar em grande medida a economia, ou seja, a deterioração fiscal que você teve não está resolvida.
Agência ABCR – E com relação ao câmbio?
JJ – No câmbio, o problema é que a flutuação está cada vez mais suja, ou seja, o governo continua a adotar medidas e aparentemente colocou um piso de apreciação para ataxa de cambio. Mas, as pressões continuam de apreciação no curto prazo, com a entrada de muito capital e a elevação das commodities. Com o dinheiro migrando para o Brasil, o Governo tem tentado evitar a apreciação do Real, colocando novos impostos, limitando esse fluxo. Assim, a questão que fica é que o câmbio não é tão flutuante assim, ele está mais para um câmbio fixo, hoje, do que para um câmbio flutuante.
Agência ABCR – Mas mesmo com um BNDES com recursos para emprestar não vamos inverter a tendência de que o poder público não consegue aumentar os investimentos em infraestrutura, certo?
JJ - Sim.
Agência ABCR – Então, o País continuará contando com a capacidade da iniciativa privada em ampliar seus investimentos, mas sem que o setor público consiga aumentar os seus. E isso?
JJ - É. Esse é um ponto, mas vale lembrar que o setor público está emprestando para infraestrutura privada via BNDES, mas está se endividando para fazer isso, porque não tem esse dinheiro. Para capitalizar o BNDES, precisa emitir dívida, a 12% ou 13% ao ano, repassa esse dinheiro para o BNDES, que empresta a 6%. Então, temos um spread, inclusive negativo na operação, e quem paga é a sociedade. Isso tem que ficar claro. É um financiamento de investimento, mas com endividamento do Setor Público. Mesmo assim, o BNDES, por conta dos inúmeros projetos existentes, e pela restrição de capital, não terá condições de financiar a infraestrutura nos patamares dos últimos três anos.
Agência ABCR – E a contra-partida privada?
JJ – O problema da infraestrutura brasileira, pois conhecemos a situação dos aeroportos, portos e as estradas, poderia ser resolvido por meio de Concessão à iniciativa privada. A presidente Dilma está engajada na concessão dos aeroportos, até por conta da proximidade da Copa do Mundo. Mas a verdade é que ela não tinha outra alternativa. Ou concede isso para a iniciativa privada ou a coisa não vai sair. Além do Setor Público não ter dinheiro, não tem projeto. O mesmo vale para os outros campos da infraestrutura.
Agência ABCR - Então, você não acredita que o atual governo adote as concessões de serviços públicos para iniciativa privada como uma forma mais eficiente e rápida de resolver os problemas e gargalos existentes na infraestrutura?
JJ - Isso nunca foi uma bandeira do PT. Tem que ficar claro que o PT sempre jogou, na luta eleitoral, contra as concessões e privatizações. O partido nunca foi a favor desses conceitos, mas acaba fazendo quando não existe outra saída. O ideal seria que o governo, que não tem recursos, tivesse um bom programa de concessão. Assim, o dinheiro vem. Hoje, temos, no mundo, um ambiente de ampla liquidez e baixas taxas de juros e, na verdade, poucas opções de investimento. Se o Brasil conseguir mostrar para o investidor que no setor de infraestrutura ele terá um bom retorno ao longo dos anos, esse investidor virá para o Brasil, fará nossa infraestrutura e o País se beneficiará com isso, mas esse não é o pensamento do Governo.
Agência ABCR – A presidente Dilma tem afirmado que, no seu governo, as diretorias das Agências Reguladoras serão ocupadas por técnicos. O que podemos esperar da atuação desses órgãos?
JJ - Espero que melhore, levando em consideração o que ocorreu no governo Lula, quando as agências foram, de fato, contaminadas pelo ambiente político e perderam grande parte da relevância e da atuação que tinham até então. Boas Agências são fundamentais para que o sistema de concessão funcione de forma adequada.
Agência ABCR – Mas o que os investidores sinalizam?
JJ – O investidor que vai participar do processo de concessão de estradas, por exemplo, quer crescimento econômico, pois quanto maior o crescimento maior será o fluxo e ele ganhará de acordo com a sua estimativa de fluxo. A questão é que ainda há incertezas quanto aos ciclos de crescimentos da economia brasileira. Baixo nível de investimento, baixo nível de educação da população e baixo nível de poupança não entregam um crescimento econômico no futuro. Hoje, existe um movimento em termos de maior crescimento econômico, mas podemos ter simplesmente como um movimento temporário, isto é, o Brasil cresce, incorpora mão de obra, as taxas de juros continuam caindo, agora não há garantia que esse movimento vá continuar ao longo dos anos. O Brasil também não fez as reformas tributária, previdenciária e trabalhista que precisa. Essas medidas aumentam as condições de crescimento da economia.
Agência ABCR – O aumento significativo das importações podem mascarar o fluxo de veículos pesados no País, como é medido pelo Índice ABCR de Atividade?
JJ – Podem. Na verdade, o índice de fluxo está medindo os transportes de carga, seja a carga produzida localmente ou aquela oriunda do exterior. A produção doméstica gera um fluxo maior, principalmente por contas dos produtos intermediários. Ou seja, quando a indústria fabrica um bem, compra insumos e componentes fabricados pela cadeia que está instalada regionalmente e isso tudo acaba gerando fluxo de transporte. Quando temos um produto importado pronto, esse movimento é feito simplesmente do porto até o ponto final de consumo. O fluxo associado ao produto importado acaba sendo um pouco menor, mas esse fluxo ainda existe, porque essa carga precisa ser transportada.
http://www.abcr.org.br
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